Notícia atualizada em 09/03/2023
Hoje, Dia Internacional das Mulheres eu me pergunto se parabenizo minhas colegas de profissão ou peço desculpas.
Falarei especificamente da minha profissão. Eu não pedirei que aguente e nem direi que é assim, não falarei para ter forças ou desistir. O que eu peço é que nós mulheres que escolhemos essa profissão de cozinheiras, auxiliares ou chefs possam se unir para não precisar passar por diversas situações que mancham nossa imagem ou nos humilham.
Para quem não sabe, o assédio moral e físico na cozinha é um dos maiores motivos por diversas mulheres largarem a profissão. Independentemente de sua posição dentro de uma cozinha profissional você sofrerá algum tipo de assédio, ou coisas ainda piores. Quantas vezes se trancou no depósito para chorar escondida? Ou tinha pavor quando alguém passava por você na bancada apertando seu corpo? Ou recebendo cantadas e propostas indecentes enquanto trabalha?
O Brasil é um dos países que mais tem mulheres empreendedoras. A conta é simples: salários mais baixos que os homens mesmo na mesma profissão, assédio, bullying, e o medo que os homens têm das mulheres se destacarem em seu ambiente de trabalho.
Quantas vezes seu salário foi mais baixo que de um homem em sua mesma posição? Ou quanto você precisa se impor para ser respeitada por sua equipe? Quando trabalhei como chef de cozinha, eu percebia que precisava trabalhar o dobro para provar minha capacidade. Logo que me formei em gastronomia, um dos meus empregos foi ‘supervisora’ em uma escola de gastronomia. Na entrevista, a entrevistadora (sim, uma mulher) deixou claro que a preferência para a vaga era de que fosse um homem para essa “posição”. Porém, como nenhum dos entrevistados tinha um currículo como o meu, eles iriam me contratar. A maioria dos professores eram homens. As atendentes e auxiliares eram mulheres. Mas a exigência para ambos os cargos era a mesma.
Em um restaurante que eu trabalhei, o gerente me apertou contra o balcão e perguntou qual era minha orientação sexual (não nessas palavras), porque em um ano de trabalho nunca havia ‘ficado’ com nenhum homem do trabalho. Foi inacreditável. Primeiro eu dei uma cotovelada nele em suas costelas e falei que “se tivesse um homem de verdade ali, talvez eu tivesse tido um encontro”. Logo após isso, o ‘chef’ começou a ficar me mostrando pornografia. O próprio proprietário do lugar também começou a ficar no meu pé, mesmo contando sobre o ocorrido. Foi o início do inferno que se seguiu até eu não aguentar e pedir as contas.
Nos outros restaurantes que trabalhei, já havia aprendido a me defender. Porém, várias vezes deixei de ser contratada por ser mulher, e não foi uma única vez, foram várias. Após um teste, os comensais e gestores elogiaram muito a minha comida, e falaram que até lembrava as comidas de infância deles, mas não iriam me contratar ‘por causa do meu estilo de vida’. Minhas tatuagens, na concepção deles me tornavam uma mulher promíscua. Sim, eles utilizaram essas palavras.
Existem muitas histórias, que ouvi ou vivi, mas esse não é um artigo sobre desabafo de uma chef. Isso é um alerta para que nenhuma mulher aceite isso. Também, teve um caso que nunca vou esquecer, eu precisava de um (a) auxiliar de cozinha. Recebi uma indicação de uma moça transexual, que já tinha até nome social feminino. O proprietário do restaurante não me permitiu nem chamar para o teste. Até hoje esse proprietário procura uma equipe masculina, menos para a limpeza, aonde na concepção dele é ‘serviço de mulher’. Ele não é da velha guarda e inclusive é mais novo que eu. Assim como quase todos os outros, aqui citados. Em minha área, de comida oriental e asiática é ainda mais difícil. Até um tempo atrás, a “falta de conhecimento” de alguns chefs achavam que mulheres não poderiam trabalhar com sushi, algo totalmente sem nexo, culpando os hormônios femininos que iriam ‘estragar’ o sabor do peixe. Não é necessário provar isso cientificamente. Recentemente no Japão, as escolas de sushi profissionalizantes foram ‘aconselhadas’ a indicar mulheres para trabalhar em restaurantes. Atualmente, muitas mulheres têm a posição de ‘itamae’ ou sushi chef (a palavra sushiman ou sushiwoman não é japonesa, óbvio, não faz sentido literal sua tradução e eu pessoalmente não gosto).
Quando fui citada no livro do Jo Takahashi “Ramen/Lámen” como a primeira chef de ramen ao mesmo tempo que me senti honrada, me fez pensar na necessidade de mais mulheres nessa área. Um grande exemplo das mudanças é o trabalho da Chef Telma Shiraishi, Embaixadora da culinária japonesa no Brasil, reconhecida internacionalmente e em especial, pelo Japão. São muitas mulheres que merecem destaque, mas precisaria de ao menos alguns meses para colocar seus nomes nesse artigo.
Se você passar por isso, saiba que não está sozinha, não tenha medo de perder seu emprego, fale com o RH da empresa e tente resolver isso de uma maneira que não prejudique você. Converse sobre isso com seus familiares e amigos. Também há grupos e perfis no Instagram e outras rede de apoio. Nem todos os chef homens são assim; nem todo ambiente de trabalho é assim, existe homens maravilhosos no mundo, em nosso dia a dia, em nossas amizades, em nossos relacionamentos. O programa do Edu Guedes “The chef com Edu” abre um grande espaço para as mulheres. Tive a grande oportunidade de participar e mostrar meu trabalho.
Continuamos na luta, com algumas comemorações e agradecer a todas as mulheres que no mundo todo, lutam todo dia por dignidade. É somente isso que queremos. Respeito. O resto a gente corre atrás.
Michele Dupont, conhecida como ramen girl, viveu alguns anos o Japão trabalhando somente com japoneses, onde teve imersão total a cultura e alimentação local, e se apaixonou por esse prato. Ao voltar ao Brasil, sentiu a necessidade de divulgar a culinária japonesa fora do circuito sushi sashimi, em especial a cozinha quente, os macarrões japoneses, carnes, gyudon, donburi e as comidas de izakaya que são os gastrobares ou botecos japoneses. Após concluir a faculdade de gastronomia, trabalhou como chef de cozinha em alguns restaurantes em Curitiba, atualmente ministra cursos de culinária japonesa em São Paulo e faz consultorias gastronômicas. Também, estuda pós-graduação em História da Alimentação. Escreveu o primeiro livro nacional sobre ramen, “Ramen receitas para Estrangeiros”, com receitas e algumas histórias de sua vida no Japão. De forma simples e de coração, com os olhos de uma ocidental, trabalhou as receitas com insumos que podemos encontrar com facilidade no Brasil. Também foi convidada pela Jetro São Paulo para apresentar o programa “Sabor do Japão” para a rede Bandeirantes no canal “Sabor e Arte da Band tv”, sobre macarrões japoneses e karê, em cápsulas passadas entre os programas, uma forma da Jetro divulgar a cultura alimentar japonesa. Participou de live e podcast com a Quickly Travel, Cônsul Takagi Masahiro (na época cônsul do Japão na região Sul), Live sobre macarrões japonês pela Jetro e podcast pelo Paladar Distinto. A convite da presidente do Comissão de Gastronomia do Bunkyo, faz parte da equipe voluntária. Recentemente recebeu um convite inusitado, apresentar pratos japoneses do dia a dia dos japoneses, para o público brasileiro, no programa da rede aberta Band TV com o Chef Edu Guedes, onde ensinou karaage, tonkatsu e yakissoba, assim mostrando outro lado da culinária japonesa, mais simples e acessível a todos. Atua na área como consultora gastronômica e professora de culinária japonesa.
Atualmente trabalha em São Paulo, com workshop, cursos e divulgação da gastronomia japonesa e restaurantes, voltada a todos os públicos, em especial ao público brasileiro para melhor compreensão da cultura alimentar japonesa, deixando de fácil acesso e entendimento sobre os sabores característicos do Japão, baseado em sua experiência de vida com imersão a cultura.
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