Notícia atualizada em 14/12/2023
Quando imaginamos um cozinheiro logo vem a cabeça a imagem clássica do individuo com um chapéu alto, a dólmã branca com fileiras paralelas de botões, avental longo, braços cruzados e uma ferramenta nas mãos como um fouet, colher de pau, sauce pan etc. Sempre que penso num cozinheiro o imagino segurando uma faca, discutivelmente o artefato mais emblemático de quem cozinha. A razão disso é por eu ter começado a cozinhar em um pequeno restaurante japonês em Plantation FL onde por sorte meu head chef e colegas eram bastante proficientes na arte do corte e afiação. Ao trabalhar em outras cozinhas e conhecer outros irmãos em armas percebi ser o único a fazer questão de usar somente as minhas facas e não as emprestar jamais. Para meu choque as facas eram para meus colegas ferramentas sem grande importância como um talher ou uma espátula e assim sempre foi na grande maioria dos espaços gastronômicos onde estive inclusive no palco do Masterchef Profissionais. Porem nos últimos dois anos percebi não estar mais falando sozinho aos ver colegas conceituados buscando mais conhecimento na área da afiação e cutelaria. Um exemplo é o Chef Ricardo Dornelles que introduziu conteúdo sobre afiação na ECOA, uma escola de cozinha focada em ensinar habilidades específicas a seus alunos para que se destaquem no mercado de trabalho. Nesse texto quero expressar a importância das facas para mim como cozinheiro, artista e ser humano de grande identidade.
Ao falar sobre cutelaria (arte de fazer facas) gosto sempre de começar como uma aula de história porque a faca foi uma das ferramentas mais cruciais para sobrevivência e desenvolvimento do ser humano e da civilização. A faca foi revolucionaria porque com ela nossos ancestrais puderam esculpir outras ferramentas como lanças para abater grandes animais, arpoes e anzóis para pescar, arcos e flechas para caçar e se defender, agulhas para trançar redes para capturar pássaros e peixes etc. De tantas ferramentas criadas pelo homem poucas sobreviveram ao tempo como a faca que esteve presente desde nosso inicio lutando contra a natureza até hoje em nossas cozinhas. A primeira razão pelo meu fascínio por facas de cozinha é o fato de que na cozinha a faca tem seu proposito mais nobre. Na cozinha a faca pode ser algo descartável como pode ser uma joia cujo movimento proporciona um show para o publico ao criar texturas, volumes com faces brilhantes, arestas bem definidas, sabor e identidade.
Afinal de contas o que é uma faca de cozinha profissional? O que significam aquelas facas que mais parecem espadas de samurai? A cozinha é o espaço onde a faca pode ser só uma ferramenta descartável como ela pode ser um elemento suntuoso do show. A Cutelaria Japonesa é mundialmente famosa por ser a mais sofisticada criando artefatos de extrema beleza e performance. Porem quanto mais sofisticada é a lamina mais conhecimento é preciso para mantê-la. Costumo dizer que o conjunto de facas de um cozinheiro é um portfolio e seu retrato em metal porque diz muito sobre seu estilo, personalidade e principalmente seu conhecimento em cutelaria. No ramo da gastronomia profissionais lutam por identidade, estilo e serem únicos. Uma das formas mais eficientes de obter essa tão desejada identidade é através das ferramentas que se usa. Um restaurante de carnes que se baseia em pratos feitos na parilla, um restaurante de comida caipira com seu fogão a lenha e panelas de barro, uma pizzaria e seu forno, um restaurante de Dimsum e os cestos de bambu, um restaurante contemporâneo e seus aparatos de laboratório etc. todos são exemplos de como as ferramentas trazem boa parte da identidade de um espaço gastronômico. No caso de restaurantes japoneses especialmente os de sushi as facas tem o protagonismo. Por exemplo um Sushi Chef pode ter facas mais simples cuja a função é somente cortar os ingredientes mas também pode usar facas tão bonitas e luxuosas a ponto de elas fazerem parte de seu figurino, criarem performances artísticas quando se movimentam e serem parte do cenário enquanto descansam no rack. Não é obrigação de um cozinheiro ter conhecimento avançado em afiação e usar facas luxuosas, mas tal conhecimento é uma opção poderosíssima para expressar personalidade e estilo.
Me arrisco a dizer que os dias da famigerada gastronomia contemporânea molecular como a grande tendencia estão contados. Há mais de quinze anos vemos todo tipo de espuma, perolas, fumacinhas, esferas etc. Fomos ao extremo da tecnologia e firula na gastronomia para agora resgatar uma das artes mais analógicas e antigas. Chefs conceituados estão buscando aprender cutelaria e afiação. Espero que a nova onda na gastronomia seja apreciar as facas como a herança da humanidade que são e cozinheiros tenham orgulho de suas facas e da jornada que elas contam.
Para mim cozinhar começa no cortar esculpindo os ingredientes. A cozinha é cheia de engenhocas criadas para substituir uma faca bem afiada em uma mão bem treinada. Facas não precisam de bateria ou eletricidade, não estragam ao se molharem e não mentem. Por isso que aprender a mantê-las é cozinhar no seu estado mais profundo e essencial. Um cozinheiro não pode carregar toda sua cozinha consigo, mas ele sempre deve carregar suas facas.
Cozinheiro, Artista e Designer Frustrado tentando se expressar através de palavras e gastronomia.
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